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Reitora da UFT: 'Por eu ser negra, acham que não tenho capacidade intelectual'

Ao Manchete do Tocantins, a professora Maria Santana Ferreira fala dos desafios da universiddade

Por: Beatriz Pontes/Mavi Oliveira

01/09/202510h33Atualizado

A professora Maria Santana Ferreira dos Santos foi eleita reitora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e se tornou a primeira mulher negra a assumir o comando da instituição. A escolha, resultado de votação com participação de estudantes, docentes e técnicos, representa um marco histórico para a universidade e sinaliza avanço em termos de representatividade e inclusão no ensino superior do estado.

Em entrevista ao Manchete do Tocantins, Maria Santana destacou sua trajetória acadêmica, a importância de promover equidade dentro da universidade e apresentou os principais eixos de sua futura gestão. Entre eles, estão a ampliação de políticas de inclusão, o incentivo ao diálogo permanente com a comunidade acadêmica e o fortalecimento da extensão universitária, consolidando o compromisso de aproximar a UFT da sociedade tocantinense.

Foto: Reprodução | Instagram

Foto: Reprodução | Instagram


Confira a entrevista na íntegra:

A senhora é oriunda da zona rural de Dianópolis, no Tocantins, e enfrentou desafios significativos para chegar onde está. Como essa trajetória influencia sua visão para a universidade hoje?

Quem vem da zona rural tem uma ideia de que é preciso estudar para dar retorno a nossa comunidade. No meu caso, a minha perspectiva era de sair dessa condição precarizada e minha alternativa era o estudo, que me possibilitou chegar onde eu queria. Minha mãe sempre falava: “pra você chegar a algum lugar, você precisa estudar”. Então, não importa de onde você vem, o estudo abre portas para a mudança de realidade.

Como foi sua experiência na Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários? De que forma moldou sua forma de atuar como gestora da universidade?

A Pró-Reitoria de Extensão é uma escola em todos os sentidos, porque a extensão dentro da universidade pública é a ligação entre a universidade e a sociedade. A universidade tem esse papel de diálogo com a comunidade, de gerir políticas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Lidar com os diversos grupos minoritários me trouxe um amadurecimento como gestora, pois vi como esse trabalho impacta a vida das pessoas. Eu passei também a ter sonhos ainda mais altos para a instituição universitária.

Qual a importância simbólica e prática de ser a primeira mulher negra a assumir a reitoria da UFT?

Dentro da questão de representatividade é super importante o simbolismo de ocupar espaços que não foram desenhados para você. Para uma mulher negra acessar um espaço de poder na sociedade brasileira é muito mais complexo, porque há muitas barreiras para nós, muito preconceito. Por eu ser negra, acham que eu não tenho capacidade intelectual, e competência, mesmo tendo doutorado, de estar aqui. 

Essa representação na reitoria é histórica, e mostra na prática que é possível uma pessoa negra ocupar os espaços poder, apesar de toda a discriminação. Mesmo enfrentando as discriminações, o preconceito, algumas portas se abrem para nós. O fato de ser uma mulher negra numa instituição pública que a maioria dos nossos estudantes são negros, indígenas e quilombolas abre um espaço de representação. As pessoas acham incrível ter uma mulher negra na frente da UFT. Eu estou hoje em um espaço que outras pessoas não tinham oportunidade de chegar.

Nos últimos anos, tem crescido nas redes sociais, especialmente entre adolescentes, um movimento que desvaloriza a importância da educação formal e da graduação. Como a senhora avalia esse fenômeno?

As pessoas têm ligado muito para a questão das tecnologias da informação e têm deixado de lado o conhecimento. No Brasil, as pessoas consomem muita desinformação, fake news e banalidades. É um momento muito diferente, a geração Z acessa as informações muito depressa, ela não quer um conteúdo muito denso, ela não quer ler como lia. Nem todo mundo tem a chance de ser jogador de futebol ou ganhar na Mega-Sena. A instituição universitária tem um importante papel formativo, de construção de pensamento crítico e hoje é o melhor caminho para um bom trabalho e mudança de vida. 

O recado que deixo para esses jovens é: não deixe de estudar, de vir pra universidade. Qualquer pessoa tem que estudar para desenvolver pensamento crítico e melhorar sua qualidade de vida. 

Sobre as discussões em torno da mercantilização da educação, como a senhora avalia a expansão das faculdades privadas no Brasil? Por um lado, são criticadas por priorizar o lucro em detrimento da qualidade do ensino. Por outro, acabam sendo a única oportunidade de acesso ao ensino superior para muitos jovens.

Eu não sou contra as universidades privadas, o que eu acho que deve ser trabalhado pelo Ministério da Educação é justamente essa expansão em massa, muitas vezes sem qualidade. Então, esse é um grande problema que a gente tem hoje no Brasil, esse crescimento exagerado dos espaços das universidades particulares sem condições de infraestrutura de pesquisa e de extensão. 

É claro que neste sentido a universidade pública tem uma qualidade maior, porque tem pesquisa e tem extensão. Agora, uma universidade privada, em um local organizado também tem as suas qualidades, nós temos muitas universidades privadas boas. Mas, quando ela começa a focar só no recurso financeiro, não tem como falar de garantia de acesso para as pessoas e sim mercantilização, arrecadando dinheiro a qualquer custo independente da qualidade, que muitas vezes ficam só nesse 'conteudinho' básico e depois a pessoa não consegue acessar o mercado de trabalho, ter uma vida diferente, porque ele fez uma faculdade só para cumprir tabela.

Que estratégias pretende adotar para tornar a UFT mais inclusiva e equitativa?

Hoje nós já temos as cotas, então nós já temos um ingresso dos indígenas, dos quilombolas e PCD’s, mas precisamos de outras cotas, como para pessoas trans. Hoje vamos buscar trabalhar com um currículo mais transversal, onde nós tenhamos outros conteúdos que não sejam os conteúdos básicos dentro dos cursos, ou seja, que o aluno possa, por exemplo, fazer medicina e ter disciplinas que não estão no currículo do curso mas são necessárias para a vida dele, como a educação afro brasileira, que trabalha a questão de raça. É preciso fazer um currículo onde se aproxima máximo a condição de vida de todos que aqui estão.

Como reitora, como pretende fortalecer a extensão universitária como ferramenta de formação acadêmica e responsabilidade social?

Continuando dando apoio, principalmente financeiro, para a realização da extensão. Apenas quando todos os cursos da universidade tiverem extensão bem estabelecida dentro do currículo podemos dizer que essa universidade é querida pela sociedade externa. A ideia é que todos os cursos possam estar recebendo esse apoio financeiro.

Em um contexto de constantes desafios para a educação pública, quais serão suas prioridades para o fortalecimento do ensino, da pesquisa e da pós-graduação na UFT?

A universidade já se consolidou em muitas áreas. Hoje, já temos um bom número de cursos de graduação, pós graduação, trabalhando com ensino, pesquisa e extensão, mas o primeiro ponto que precisamos focar é o acolhimento das pessoas na universidade. Temos um adoecimento muito grande, falta pertencimento e de vontade de participar do dia a dia da universidade. Então, precisamos de ações para promover o engajamento dessas pessoas, para isso, vamos criar uma diretoria exclusiva para tratar de vida e saúde das pessoas que estão dentro da universidade, trabalhando ou estudando. 

A segunda questão diz respeito à busca de investimentos e parcerias para que a nossa universidade seja reconhecida externamente. Vamos fazer parcerias com as universidades do Norte e queremos também aumentar o raio de atuação internacional, através de cursos de inglês para professores e equipe técnica. Vamos priorizar a questão da mobilidade acadêmica para que alunos daqui possam ir para outros países.

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