Violência em alta: Tocantins registra salto nas tentativas de feminicídio em 2024
Especialistas relacionam o avanço da violência ao momento em que mulheres tentam romper relações abusivas
Por: Mavi Oliveira
24/07/2025 • 19h21 • Atualizado
O número de tentativas de feminicídio no Tocantins cresceu 26% em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025. Os dados também indicam um aumento de 13% nos casos de tentativa de homicídio contra mulheres no estado, na comparação entre 2023 e 2024.
Mas o problema vai além das estatísticas consolidadas. Levantamento do Ministério Público do Tocantins (MPTO) mostra que, entre janeiro e julho de 2024, o estado já havia registrado 38 ocorrências de feminicídio, sendo 29 tentativas e 9 crimes consumados — um crescimento de 40,74% em relação ao mesmo período de 2023. Em números absolutos, até agosto, o estado somava 49 casos: 12 consumados e 37 tentativas, alta de 36% em relação aos 36 registros do ano anterior.
Para o advogado criminalista Júlio Suarte, o avanço dos números está ligado à permanência de mulheres em relações abusivas, motivada por fatores econômicos, emocionais e culturais. “Em parte, o aumento também pode ser reflexo de mais registro e visibilidade dos casos, ainda que isso não signifique redução da violência real”, avalia.
Segundo ele, muitos dos episódios ocorrem justamente quando a vítima decide romper com o agressor. “Em contextos onde a mulher começa a romper o ciclo da violência [como ao pedir medidas protetivas], o agressor muitas vezes reage com maior agressividade, chegando à tentativa de homicídio.”
Apesar do aumento nos episódios de tentativa, houve queda nos feminicídios consumados: de 18 em 2023 para 12 em 2024, uma redução de 33,33%, segundo a Secretaria de Segurança Pública.
Violência velada
Um dado revelador indica que mais de 70% das mulheres vítimas de feminicídio no Tocantins jamais haviam registrado boletim de ocorrência antes do crime, de acordo com levantamento do governo federal. O silêncio — por medo, vergonha ou falta de apoio — continua sendo um dos principais entraves para interromper o ciclo da violência.
Em 2024, o canal Ligue 180 recebeu 385 denúncias no estado, um aumento de 33,2% em relação ao ano anterior. A maioria dos relatos foi feita por mulheres negras (284) e entre as idades de 25 a 29 anos. Palmas, Gurupi e Araguaína concentram a maior parte das notificações.
Aspectos legais e agravantes
A advogada Aurideia Loiola Dallacqua, procuradora-geral de Prerrogativas da OAB Tocantins, explica que as tentativas de feminicídio e homicídio contra mulheres são punidas com penas proporcionais à gravidade dos atos. Já o feminicídio consumado possui legislação específica.
“O feminicídio consumado é considerado crime autônomo e hediondo, com pena prevista de 20 a 40 anos de reclusão, podendo ser agravada conforme o contexto, como o uso de arma de fogo, a presença de filhos da vítima no momento do crime ou o descumprimento de medidas protetivas”, explica.
Estrutura ainda insuficiente
Apesar da aparente queda nos crimes consumados, a procuradora alerta para a continuidade de falhas estruturais no combate à violência contra a mulher. “Esses dados apontam para falhas estruturais que precisam ser enfrentadas com urgência”, afirma.
“O aumento nas tentativas de feminicídio sinaliza uma intensificação das formas graves de violência, ainda que muitas delas não tenham resultado em morte. Por um lado, pode representar maior visibilidade, conscientização e registro dos casos. Por outro, revela que a resposta do Estado ainda não está sendo suficiente para conter o ciclo de violência.”
Nesse sentido, um dos avanços está na celeridade do Poder Judiciário local: no primeiro trimestre de 2025, o Tribunal de Justiça do Tocantins concedeu 1.388 medidas protetivas — média de 15 por dia. O tempo médio de resposta foi de apenas um dia, um dos mais rápidos do país, segundo o Conselho Nacional de Justiça.

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Prevenção e autonomia
Para mudar esse cenário, Aurideia defende que o enfrentamento à violência exige ação integrada: “Também é necessário oferecer oportunidades reais de qualificação e autonomia financeira, para que essas mulheres consigam romper o ciclo de dependência econômica e emocional que muitas vezes as aprisiona em relacionamentos violentos.”
Ela também cobra rigor no cumprimento das ordens judiciais. “Outro ponto fundamental é a fiscalização rigorosa das medidas protetivas, com respostas rápidas e firmes diante de qualquer descumprimento”, afirma. “Por fim, é urgente ampliar as campanhas educativas que conscientizem a população sobre o feminicídio e estimulem a denúncia como forma de romper o silêncio.”
Rede de apoio descentralizada
Para alcançar mulheres fora dos grandes centros urbanos, a procuradora reforça a necessidade de interiorizar os equipamentos de proteção.
“É urgente expandir as unidades de acolhimento multidisciplinar, como as Casas da Mulher Brasileira, garantindo, no entanto, que os serviços cheguem até as mulheres que vivem nas periferias e que muitas vezes não têm sequer condições de se deslocar até os centros urbanos onde esse suporte é oferecido.”
Ela também chama atenção para a ausência de delegacias especializadas em regiões mais vulneráveis. “É necessário ampliar a presença de delegacias especializadas de atendimento à mulher, principalmente nos bairros e regiões com maior índice de violência doméstica, como na Região Sul de Palmas, onde há maior concentração de ocorrências.”