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Coletivo Somos reforça luta por representatividade e projeta continuidade em 26

Alexandre Peara comenta o papel do mandato coletivo de Palmas na defesa da diversidade

Por: Beatriz Pontes

07/07/202516h00Atualizado

Criado a partir da ausência de representatividade nos espaços de poder, o coletivo Somos fez história como o primeiro mandato coletivo do Tocantins. Em entrevista ao Manchete do Tocantins, Alexandre Peara, membro do grupo, explica que a decisão por atuar de forma conjunta veio do cansaço de eleger representantes que não refletiam suas ideias e do desejo de construir um modelo político mais democrático e horizontal.

Ao longo da conversa, o coletivo detalha as vantagens e os conflitos de se dividir um gabinete entre diversas vozes e reforça o compromisso com a diversidade, com foco especial nas populações LGBTQIA+ e periféricas.

Também abordam a estratégia de diálogo com setores conservadores, como a gestão de Eduardo Siqueira Campos, e justificam o apoio com base na abertura da gestão a pautas progressistas. Sobre a prisão do ex-prefeito, avaliam que o caso deve ser tratado pelo Judiciário, com apuração rigorosa, mas sem exploração política.

Foto: Isadora Fontes | Divulgação

Foto: Isadora Fontes | Divulgação




O Coletivo Somos fez história como o primeiro mandato coletivo da história do Tocantins, o que levou vocês a escolherem essa forma não convencional de administração? 

Eu sempre trabalhei nos bastidores da política, já trabalhei em campanhas e eu estava cansado de ver minhas ideias, o meu trabalho e a minha criatividade elegendo pessoas que, quando eleitas, não representavam o que eu quero pro país ou o que eu sou.  O Somos nasceu pelo sentimento de ausência de representatividade. Quando a gente pensou em fazer esse mandato coletivo, foi para trazer representatividade nesses espaços de poder, para que a gente pudesse enxergar nos nossos representantes nossas vozes e aquilo que nós defendemos. 

A política é muito movida pela questão financeira e o apadrinhamento. Existe toda uma estrutura política que permite que alguém ocupe esses espaços e o coletivo burla essa estrutura. Pensamos em fazer um mandato coletivo de maneira estratégica ao somar forças e votos para ocupar essa cadeira. Além de permitir que um grupo diverso divida as cargas da vida política, que é cansativa. A coletividade quando unida pode ocupar esses espaços de poder, é aquele clichê, mas a união faz a força na política. 

Quais as vantagens e desafios de trabalhar em um mandato coletivo? Mais pessoas atrapalha ou auxiliam na tomada de decisões? 

O mandato coletivo tem como vantagem uma construção mais democrática, com diferentes vivências e expertises. Existe uma proteção na coletividade porque o sujeito não fica suscetível só a sua vontade. As desvantagens aparecem como em qualquer outra relação humana, que possui divergências e conflitos de ideais. Se a gente aprende a ceder nas nossas outras relações no coletivo não é diferente. A gente entra no consenso coletivo ‘você acha isso, eu acho aquilo, mas pro coletivo o que é melhor?’, não é o que eu penso ou o que você pensa, é para todos nós juntos. Qual é o ponto de equilíbrio que é melhor para todos? A partir daí que a gente consegue caminhar. 

Em entrevista para o Cleber Toledo em 2020, na primeira candidatura do Somos, o, na época membro do coletivo Augusto Brito, fez discurso sobre a não reeleição do coletivo. Continuam com esse discurso? 

Não é que o coletivo não irá atrás da reeleição, mas sim que haja uma rotatividade da pessoa que está na frente do coletivo. A gente sabe que política pública não se consegue mudar em 4 anos, isso não é tempo suficiente para fazer mudanças estruturais e mudar uma realidade de 500 anos. Se o melhor para a coletividade para a reeleição for, por exemplo, manter a Thamires como porta-voz é isso que vamos fazer. O coletivo está trabalhando e vamos concorrer na próxima eleição em 2026.

Nós como o único gabinete assumidamente LGBTQIA+, de esquerda, popular e progressista de Palmas não podemos parar e 4 anos não são suficientes. Então em 2026 os trabalhos continuam, pois precisamos de mais estrutura, precisamos brigar por orçamento público para conseguir implantar políticas públicas no município. 

Na última parada LGBTQIA+ de Palmas você discursou no trio e afirmou que o Somos foi o único grupo político a apoiar o evento. Como vocês fazem para fazer com que essas pautas avancem para além do coletivo e cheguem também a outros parlamentares? 

Nós somos o único mandato com toda essa carga progressista, de esquerda, ideológica e o restante são políticos conservadores ou que então defendem bandeiras conservadoras para ganhar votos. O nosso papel é de articulação. Muitos acham que quando políticos de esquerda ganham eles devem ir contra tudo que os políticos conservadores colocam em pauta, mas é preciso entender que é uma matemática. Você é um, eles são 22 e você precisa conquistar algum apoio. Para isso, é preciso haver concessões, não concessões que vão contra os seus ideais, mas é preciso saber escolher suas batalhas. 

É preciso ter diversidade e o nosso papel é articular com esses políticos para que haja espaço para todos. Precisamos às vezes nos juntar com pessoas que nós não concordamos, mas para defender pautas maiores caminhamos juntos. 

Sendo o Somos um coletivo composto por várias minorias, o que vocês têm feito como representantes para garantir que essas portas continuem sendo abertas e que esses grupos continuem ocupando espaços de poder? 

O Somos não quer dar voz a ninguém, o Somos quer erguer vozes. Ele quer que pessoas que nunca tiveram oportunidade de se expressar, de serem ouvidas e de terem visibilidade passem a ter. O primeiro ponto é ter um gabinete aberto como é o nosso. A gente tem abraçado todas as pessoas que buscam o nosso gabinete com suas pautas. Outro ponto, é que precisamos fortalecer os nossos espaços de poder, então a gente quer que o Somos ou pessoas que têm essa visão do coletivo, de diversidade, de defender as minorias e os vulnerabilizados da sociedade, ocupem espaços em conselhos, em movimentos sociais, em órgão públicos, ocupem espaço de decisão de poder. Para que quando a gente estiver lá nossa voz e aquilo que a gente defende seja defendido também e chegue a mais locais. O maior ponto é fortalecer aqueles que nunca foram fortalecidos, é dar voz e espaço para os excluídos. 

Como os valores do Somos dialogam com os últimos acontecimentos envolvendo a Prefeitura de Palmas? Mais especificamente a prisão de Eduardo Siqueira Campos. 

Nas eleições de 2024 tínhamos uma esquerda que não tinha nenhuma candidatura elegível e não conseguiu lançar candidatos à prefeitura de Palmas. O ideal seria que um de nós estivesse lá, mas nessa realidade pensamos o que poderíamos fazer. Nós tínhamos a Janad Valcari (PL) e o bolsonarismo e o Eduardo Siqueira com uma linha muito mais acessível de diálogo que nos procurou, que dialoga, que quando nós vencemos nos procurou e falou que queria que fizéssemos parte da gestão. Gestão que criou a primeira Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos de Palmas.

Então, Eduardo teve um diálogo com a gente que o outro lado não teve, não permitindo nem que tomássemos posse como suplentes. Tivemos que escolher um lado porque era bolsonarismo extremo e uma direita mais acessível. Nisso começamos a fazer base com vários outros movimentos de esquerda para apoiar a prefeitura em tudo aquilo que for benéfico para Palmas. E tudo aquilo que for contra os nossos valores vamos bater contra. Não é porque votamos juntos em algumas pautas que vamos apoiar o prefeito em tudo. 

A prisão do Eduardo não é algo que diz respeito à gestão de Palmas e seu mandato como prefeito é um processo que vem antes mesmo do período eleitoral, que está em fase de investigação, e que precisamos que seja apurado. Isso cabe ao judiciário, mas nós como Somos queremos que as coisas sejam esclarecidas e que caso o prefeito Eduardo de fato tenha feito algo que mereça punição e que caiba sua condenação, que o Judiciário o faça, mas se de fato ele agiu sem dolo, sem culpa, ele tem que ser inocentado. A postura do Somos é, a gente vai continuar esperando o esclarecimento dos fatos, não ficaremos pisoteando ele politicamente. O Eduardo é um aliado político e que abriu o município de Palmas para o coletivo e que foi muito companheiro quando precisamos. 

O coletivo Somos foram os únicos representantes da Câmara Municipal de Palmas que se posicionaram contra o projeto do Setor Aeroportuário. Pode explicar um pouco melhor a razão deste posicionamento? 

O Setor Aeroportuário foi loteado antes mesmo de ser regularizado, ali era para ser uma área para aeroporto, então se ele começa a ser uma área agora habitacional o próprio município tem que regularizar essa nova ocupação. É uma área muito grande, que já possui moradores de forma não regularizada e uma fauna e flora muito ricas. Nós estamos no centro do país, não é possível dizer como estará Palmas daqui 20 ou 30 anos, podemos evoluir a ponto de precisarmos de área aeroportuária.  O coletivo entende que não houve debate com a população, com a universidade. É uma decisão sendo tomada pelo grupo político atual, mas que vai impactar o resto da história da cidade.

Qual legado vocês querem deixar na cidade de Palmas? 

Nós já estamos deixando um legado de ocupação e visibilidade. Em 35 anos nós somos os primeiros assumidamente LGBTs a sentarem naquela cadeira e se posicionarem em favor dessa comunidade. As pessoas um dia vão estudar sobre nós. Mas além desse legado de marco, queremos respeito com a nossa existência para que os que vierem depois de nós não sejam tratados como a gente está sendo tratado. Para que os jovens LGBTs da nossa comunidade possam sonhar em ocupar esses espaços, sabendo que se nós conseguimos eles também conseguem.

Quero muito que as próximas gerações possam olhar para a gente e pensar ‘alguém lutou, alguém acreditou, alguém conquistou pra gente o direito de fazer um tratamento hormonal pelo município, alguém conquistou pra gente o direito de ter o mesmo par de armas, disputar um concurso, lutar por uma casa própria, ter um transporte público de qualidade. Lutou para que eu não fosse desrespeitado quando eu fosse em uma UPA, alguém lutou para que meu corpo não seja ameaçado de morte'. Se no futuro alguém falar ‘O coletivo Somos melhorou a minha qualidade de vida e tirou um pouquinho dessa sombra do preconceito e da violência sobre mim’, isso pra mim já vale.

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